Satanismo, jorros de vômito e obscenidades podem ter marcado a obra de William P. Blatty, mas a ideia era outra.
Quando falamos sobre terror, não há sombra de dúvida de que O Exorcista, de William Peter Blatty, marcou gerações. Mas o que faz uma obra da década de 1970 ser ainda hoje considerada como um dos maiores expoentes do gênero? Afinal, o clássico de possessões demoníacas já foi contado (ou reciclado) a exaustão nos últimos 40 anos!
São tantos os filmes e livros que tomaram a mesma premissa que é normal alguém que acabou de ler, dizer “Não me assustei. Achei que fosse mais pesado”.
Dois anos após sua publicação, em 1971, o romance de Blatty ganhou as telas e foi imortalizado como um dos filmes mais assustadores de todos os tempos. As cenas de Reagan cuspindo obscenidades e blasfêmias enquanto, pouco a pouco, a criatura dentro de si tomava o controle de seu corpo — visível pelas alterações grotescas em sua fisionomia — eram marcantes para qualquer um que assistia.
Lembro quando fomos ver O Exorcista naquele Natal, na Filadélfia: ficamos com tanto medo que tivemos de assistir a Um golpe de mestre depois, para aliviar.” — OZZY, Eu Sou Ozzy (Saraiva, 2010)

Você não trombava todos os dias com um filme sobre uma garotinha possuída pelo diabo e (Deus me livre!) se acontecesse, não era de se esperar que essa história fizesse uma crítica social, não é mesmo?
Errado.
Não se trata apenas de contar uma história de terror com elementos satanistas, jorros de vômito verde e torções dignas de uma contorcionista do Cirque du Soleil. Isso não passa do tempero da obra (tanto do livro quanto do filme). O terror ali não está nas descrições sobre as esculturas de Pazuzu ou as referências bíblicas, e sim algo muito mais banal. Se arrancarmos toda essa maquiagem “pesada” (um elemento visual fortíssimo no filme), tudo o que resta é uma jovem de boca suja — com alguns problemas na bexiga.
Não importa quantas vezes apareça a combinação garotinha inocente + uma família com sérios problemas psicológicos + um demônio + um exorcismo: se não há contexto, a história não faz sentido.
No início da década de 1960, a sociedade americana suportava com punhos em riste, maxilares cerrados e cenhos franzidos as depravações dos Hell’s Angels, que cagavam e rolavam para o status quo. Menos de dez anos depois, surge um filme que passa (a grosso modo) a mesma mensagem dos motoqueiros.
Se os americanos mais conservadores tiveram que aguentar uma gangue que invadia sua cidade, esvaziava seu estoque de cerveja, atraia suas esposas e filhas pra uma aventura e, no final das contas, causava um tumulto na sua cidade, agora seus próprios filhos é que tomavam o papel dos selvagens desbocados.
O Exorcista vai no embalo do lema “sexo, drogas e rock n’ roll” e ergue um dedo do meio veiúdo possuído por mil capetas alucinados para a sociedade conservadora norte-americana.
Sabe o que ela fez, a puta da sua filha?” — REAGAN
Ainda que tenha recebido o rótulo de “mais uma história de terror”, O Exorcista foi uma válvula de escape para os jovens que queriam mais curtir a vida, seus prazeres e sua liberdade sem ter que se preocupar se iam ou não para o céu mais tarde.
Hoje em dia, a receita ficou batida.
“Uma jovem que fala palavrões, uau!” ou “puxa, mais uma jovem possuída pelo diabo. Inovador!”, disse qualquer adolescente.
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